domingo, 4 de abril de 2010

sobre a música, pelo compositor

 Eduardo Guimarães Álvares
Ao ler o texto de Públio Athayde, pensei em compor uma música original dentro da mesma proposta do texto: comentar fragmentos musicais da época de Gonzaga, de Minas Colonial, porém levando em conta que o pensamento da arquitetura musical, da composição, é contemporâneo. Assim, modinhas e músicas religiosas que sobreviveram ao período colonial serão o ponto de partida da criação musical mas submetidas ao comentário do ouvido contemporâneo. Além desse material musical básico, a pesquisa inclui as origens européias dessas músicas, expandindo o leque de opções no que se refere aos estilos musicais do barroco ao clássico, assim como os elementos da cultura popular, universo que tende à diversidade, às influências múltiplas, onde, claro, se soma a influência das músicas dos povos africanos. O pequeno conjunto que acompanha os recitativos, ariosos e árias é formado por subgrupos assim caracterizados: o quarteto para cordas e o cravo, referência direta à música do barroco mineiro, da música das classes dominantes; os instrumentos de sopro, clarinete, fagote, trompete e trombone ás bandas de música civis e militares presentes na cultura de todo o Brasil; os instrumentos de cordas dedilhadas: violão, cavaquinho e bandolim, aos instrumentos característicos das serestas, da música popular urbana e a percussão como elemento das músicas negras, assim como populares e militares. Cada subgrupo forma um microcosmo da diversidade musical brasileira dentro de um conjunto de câmara. O canto dos dois personagens, Dirceu e Doroteu, ficam a cargo de um tenor e um barítono que usarão a voz dentro de toda uma diversidade de emissões vocais do canto lírico ao popular, assim como da fala, e do canto falado. Enfim, a música pretende antes de tudo trabalhar no universo das referências históricas, ressaltando a diversidade musical do país.

direção de cena Diva Pieranti

Em sua carreira lírica internacional, Diva Pieranti cantou com os maiores nomes do cenário operístico mundial e hoje, além de dirigir óperas, é professora de canto. Entre seus alunos, Isabel Porciuncula (vencedora do Concurso Intercional de Canto como melhor brasileira e quarta colocada como internacional), Mirna Rubin ( primeiro lugar no Concurso Nacional de Canto em Brasília), Teresa Fagundes (concertista), India Tiso e George Sauma ( O Tatalo do "Toma lá dá cá").
Nascida no Brasil, de pais italianos, estudou canto com renomados professores brasileiros e, no exterior, com Pina Mônaco, maestro Flaminio Contini, professor Do Maggio Florentino e Mimo Campanino em Napolis.
Fez sua estréia como solista aos dezoito anos, no Teatro Municipal do Rio de janeiro, com a Orquestra Sinfônica Brasileira, sob regência do maestro Jean Constantinescu. As suas primeiras óperas foram La Bohème (Musetta), Barbeiro de Sevilha ( Rosina ) e Elisir d’Amore ( Adina). Tanto no Brasil como no exterior, cantou ao lado de grandes nomes da cena lírica como Gigli, Mario Del Monaco, Beniamino Tagliavini, Di Stefano, Rossi , Lameni, Tito Schipa, Boris Christoff, Giuglio Neri, Renata Tebaldi, Pia Tassinari, Fedora Barbieri e Elisabetta Barbato. Atuou sob a direção de muitos importantes maestros, entre eles, Túlio Serafin, Antonino Voto, Emilio Tieri, Molinari Pradello, Albert Wolff, Patane, Edoardo Guarnieri, Eleazar de Carvalho e Santiago Guerra. A sua carreira desenvolveu-se não só nos teatros de Ópera do Brasil, mas também nos palcos do Carlo Felice de Genova, Ópera Municipal de Nápoles, Ópera de Montecarlo e nos Teatros Colon de Bogotá, Municipal de Caracas e São Carlos de Lisboa.

descrição da peça


 Marília de Dirceu
A.V.Guignard
O drama cômico é a disputa amorosa que fazem entre si os componentes do triângulo constituído por Marília, Dirceu e Doroteu. O contraste entre os personagens, tendo como pano de fundo a Vila Rica setecentista, é trazido para a contemporaneidade pela pureza da leitura parnasiana de Donadon-Leal, pelo rigor fescenino de Athayde e pela narrativa importada de Gonzaga. Marília surge em cena e se expressa pela dança e pela música, sem palavras para um discurso que é cristalino em sua recorrência. Doroteu e Direceu debatem entre si com os conflitos da paródia, sátira e luxúria do primeiro se contrapondo ao idílio do segundo. Esse embate verbal ecoa na música que ressalta os motes e os afetos dos personagens.
O inusitado da trama e do desfecho se contrapõem à resolução histórica ou romântica do arcadismo e dos que seguem seus passos, extrai-se da diacronia de expectativas estéticas e comportamentais o universal das paixões humanas atemporais.

autores: Eduardo Guimarães Álvares - música

O compositor Eduardo Guimarães Álvares graduou-se em Composição pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP em 1984.
Entre 1986 e 1996 foi coordenador dos Ciclos de Música Contemporânea e Festival Articulações – Sons da Atualidade em Belo Horizonte. Foi idealizador do evento Festival Intermídia, para espetáculos multimídia, em 1992, e coordenador do XXXIII Festival Música Nova de São Paulo, patrocinado pelo Itaú Cultural, em 1997.
Entre 1993 e 1996, ocupou os cargos de Superintendente de Programação e depois de Presidente da Fundação Clovis Salgado, que administra o Palácio das Artes, em Belo Horizonte.
Entre 1997 e 1999, foi diretor artístico e coordenador da orquestra Sinfonia Cultura da Fundação Padre Anchieta. Em 1985, participando do Concurso Nacional da Composição, foi selecionado para a IV Bienal de Música Brasileira Contemporânea da Funarte. Recebeu também em 1991 o prêmio de Melhor trilha sonora original para “Álbum de Família” de Nelson Rodrigues, com o Grupo Galpão de Belo Horizonte. Em 1991 recebeu o primeiro prêmio Gold Amadeus no concurso Musik Kreativ realizado na Alemanha, com o filme “A Generalíssima do Piano”. Em 2003 foi contemplado com a Bolsa Vitae de Artes para a ópera “O Enigma de Caim”.
É professor de composição e disciplinas de apoio na ÉMESP - Escola de Música do Estado de São Paulo.
Em junho de 2007 a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais executou um programa totalmente dedicado às suas obras sinfônicas no Palácio das Artes em Belo Horizonte.
Em outubro de 2007 sua peça O Livro dos Seres Imaginários foi executada na abertura da XVII Bienal de Música Brasileira Contemporânea no Rio de Janeiro.
Em maio de 2008 foi executada a peça Taleas para grande orquestra no XV Festival Latinoamericano de Música em Caracas na Venezuela pela Orquesta Sinfónica Gran Mariscal de Ayacucho.
Em outubro de 2008 sua obra Tecendo a Manhã, sobre poema homônimo de João Cabral de Melo Neto, foi estreada em Curitiba pelo Coro da Camerata Antiqua e pelo Percorso Ensemble sob direção de Ricardo Bologna.
Em janeiro de 2009 o grupo Durum Percussão Brasil lança em CD a peça "Pratilheiros Catapimbásticos", obra comissionada em 1992 pela Universidade Livre de Música para o Festival Música Nova.
Tem vários títulos gravados em CD: Pétala Petulância pelo selo Cameratti com o Grupo Novo Horizonte, Baladas da Cantora Fantasma do Rádio com Céline Imbert e Percorso Ensemble pelo Selo Sesc, Noturno pelo selo do Lami-USP com Luiz Afonso e Carlos Tarcha, Pocema pelo selo GHA Records e A Falsa Rhumba e Taleas pelo duo Contexto formado pelos percusionistas Eduardo Leandro e Ricardo Bologna também pelo Selo SESC.

autores: Públio Athayde - argumento, roteiro, libreto

Nascido em 1961, solteiro, acadêmico nas áreas de Arte, História, Letras, Direito, Sociologia, Política e Educação. Cursou História na Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP, tendo sido aproveitado, logo em seguida, como professor substituto daquela universidade. Ainda em Ouro Preto, onde nasceu, participou de diversos Festivais de Inverno, cursos e eventos nas áreas de Museologia, Arquivística, História de Minas Gerais e da Arte - conhecendo bastante de perto os acervos documentais históricos da região de Ouro Preto e Mariana. Lecionou ainda na Universidade Federal do Espírito Santo, na União de Negócios e Administração (UNA), na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na Faculdade de Pará de Minas (FAPAM). A principal atividade exercida atualmente é a de Revisor Acadêmico e Literário. Tem formação em Ciência Política pela UFMG e vivência de dirigente em educação extra-escolar, programas de meninos de rua, vida ao ar livre, educação alternativa e desenvolvimento e integração social oriundas de quinze anos de atividades no escotismo. Autodidata em Filologia Românica, conhece arcaísmos das línguas neolatinas e variantes do Latim. Dedica-se atualmente à atividade literária e às artes visuais.

Marília & Dirceu: um triângulo de dois vértices

Drama em um ato de Públio Athayde sobre textos de Tomas Antônio Gonzaga, José Benedito Donadon-Leal e Públio Athayde. Ao fundo do palco vêem-se a casa de Marília e, em último plano, o IItacolomi, nos lados, altares "barrocos" com ícones gregos mencionados no texto; alguns móveis, dois leitos e adereços de época, velas acesas, luzes cambiantes entre os vários ambientes de cena.

sobre o libreto, pelo autor

 Públio Athayde

O libreto desta ópera é produto de colagem de três obras. A primeira delas, no sentido da lógica da criação da peça, é Marília – sonetos desmedidos, de José Benedito Donadon-Leal, editada em Mariana por Lázaro Francisco da Silva em 1996.

O editor me fez presente da obra e, estimulado pela sua qualidade e pelas leituras que eu fazia à época, passei a parodiar cada um dos sonetos – fazendo mesmo mais de uma paródia de alguns deles. Por brincadeira, remeti as paródias, anonimamente, a José Benedito, com que eu tenho boas relações. A cada dois ou três dias, enviava pelos Correios alguns sonetos ao endereço do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Ouro Preto, onde lecionavam José Benedito e também Lázaro, que recebia em seu endereço residencial cópias assinadas das paródias, sob compromisso de guardar segredo. Outro que também recebia as paródias, sabendo-as de minha autoria era o poeta Ronald Polito, mais um professor na mesma instituição à época desses fatos. José Benedito, profundo conhecedor das letras e de seus colegas, logo imaginou que as paródias tinham um autor dentre três: Lázaro, Ronald ou eu mesmo – os três bem capazes de tais artes, eu bem menos. Como eu já não trabalhava mais naquele Instituto, a pressão para descobrir a autoria das paródias se acirrou sobre Lázaro e Ronald, passando ambos a me solicitar que me identificasse. Apressei a conclusão, enviei os últimos sonetos e me identifiquei. José Benedito não se manifestou na ocasião. Manteve sepulcral silêncio sobre tudo. Alguns anos depois nos encontramos e, em seguida a alguns insultos necessários, nos abraçamos e rimos juntos de tudo.

Ao fim da brincadeira, eu tinha em mãos a segunda obra de que recortei essa peça: Dirceu – sonetos bem(e)dito(s), lançada pela eBooks do Brasil em 1998, obra com que obtive um terceiro lugar no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte. Ao passo que, em Marília, José Benedito canta sua musa, em Dirceu um Doroteu desavergonhado pede a Dirceu que a deixe e fique com ele! Havia um diálogo subjacente entra as duas obras, a original e a paródia. Desse diálogo nasce esta peça. A terceira obra que contribui com fragmentos é Marília de Dirceu, de Tomás A. Gonzaga. Esse trabalho entra aqui tanto pela necessidade absoluta da citação do autor que José Benedito e eu emulamos em nossos sonetos quanto pela demanda de um contra-tempo no ritmo dramático dos diálogos.

Assim, é fácil identificar: na Cena III (80 a 91) os versos são de Gonzaga. Todas as demais falas de Dirceu são da lavra de José Benedito e as fesceninas e escatológicas locuções de Doroteu são de minha pena.